O Setembro Verde é um convite a refletir sobre a dignidade humana. Falar de acessibilidade e inclusão não é apenas discutir estruturas físicas ou tecnologias, mas reconhecer que todas as pessoas têm direito de viver com respeito, autonomia e oportunidades iguais. É também compreender que a empatia é o caminho para superar preconceitos e barreiras que ainda persistem no cotidiano.
A servidora Seila Rodrigues Penteado, Escrevente Técnico Judiciário, conhece bem essas barreiras. Monocular desde a infância, enfrentou o bullying escolar e a exclusão em atividades simples. “As pessoas riam de mim por causa dos óculos, me chamavam de cegueta e nunca me convidavam para jogos. Eu me sentia inferior e sem amigos”, recorda. Quando decidiu prestar concurso, a fadiga ocular trouxe novas dificuldades: dores de cabeça, tonturas e visão turva tornavam cada dia de estudo um desafio. “Foi bastante difícil essa preparação, mas meu esforço foi bem recompensado.”
O preconceito também esteve presente na maternidade. Mãe de André, hoje com 45 anos e portador de síndrome de Down, Seila lembra o impacto das palavras de um médico logo após o nascimento. “Ele o chamou de mongoloide e disse que não chegaria aos 20 anos. Foi terrível ouvir isso.” Na busca por escola, enfrentou recusas e falta de estrutura. “Não havia professores capacitados, nem material adaptado. Mesmo assim, lutei para garantir ao meu filho o direito de aprender.” Hoje, ela resume o que aprendeu nessa caminhada: “Todos temos dificuldades, uns mais, outros menos. A pessoa com deficiência não precisa de piedade, precisa de oportunidade.”
O servidor Wesley Saraiva de Oliveira, Agente Operacional Judiciário, perdeu a visão ao longo da vida em razão de uma doença degenerativa da retina. Ingressou no TJMSP em 1995, por ampla concorrência, e acompanhou a progressão da doença até não conseguir mais caminhar sozinho pelos corredores do prédio. “Sofri pequenos acidentes, como colidir com portas de vidro. Em 2021, pedi a adaptação para o trabalho remoto e fui atendido. Desde então, exerço minhas funções em casa, com apoio de colegas e ferramentas digitais.”
A transição para o home office, no entanto, trouxe outros desafios: quedas de energia, falhas na internet e problemas técnicos que se tornaram obstáculos adicionais para alguém que depende do leitor de tela. E, no início desse período, a dor da perda dos pais para a COVID-19 se somou à adaptação à nova rotina. “Foi devastador, mas segui em frente, porque tinha que continuar trabalhando.”
Wesley também chama atenção para uma barreira invisível: a desconfiança diante de deficiências que não se percebem à primeira vista. “Se você tem uma deficiência, acham que é incapaz; se consegue desempenhar bem, acham que não tem deficiência. Essa lógica é errada e precisa ser superada.” E acrescenta: “Antes da letra D, de deficiência, vem a letra P, de pessoa. Como todas as demais, as pessoas com deficiência têm personalidade, defeitos e virtudes, e precisam ser respeitadas dessa forma.”
Para ele, acessibilidade vai muito além da tecnologia. “Queremos autonomia, mas até conseguirmos, precisamos de apoio. Nada substitui a ação humana.”
Essas experiências dialogam com relatos de outras autoridades. No II Encontro Nacional do Comitê dos Direitos da Pessoa com Deficiência no âmbito judicial, o desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (TRT-9) contou que, em sua juventude, não teve acesso a livros em braile para estudar. Situações como a dele, e como as vividas por Seila e por Wesley, mostram que as barreiras impostas pela falta de acessibilidade podem limitar trajetórias, mas também reforçam a urgência de mudanças.
A acessibilidade precisa ser compreendida em diferentes dimensões que precisam caminhar juntas, e podem ser aplicadas das seguintes formas:
- Atitudinal: quando magistrados(as), servidores(as) e estagiários(as) acolhem plenamente pessoas com deficiência, garantindo respeito no atendimento e nas interações;
- Arquitetônica: com rampas, banheiros adaptados, piso tátil e mobiliário acessível;
- Metodológica: em cursos e treinamentos que adotam materiais inclusivos, como leitores de tela ou tempo estendido para avaliações;
- Programática: em normativos que asseguram, por exemplo, intérpretes de Libras e cláusulas de acessibilidade;
- Instrumental: na disponibilização de softwares leitores de tela ou de intérpretes;
- Nos transportes: com vagas reservadas, rampas de acesso e transporte oficial adaptado;
- Nas comunicações: quando decisões são publicadas em formatos acessíveis;
- Digital: na adequação do site institucional e do PJe aos padrões eMag, por exemplo, permitindo navegação acessível.
As histórias de Seila e Wesley lembram que inclusão não é apenas remover barreiras físicas, mas repensar atitudes. Como disse Seila, “devemos refletir sobre nossos preconceitos e desconstruir atitudes enraizadas.” E como reforçou Wesley, acessibilidade é humanidade: “Nada substitui a ação humana.”
Neste Setembro Verde, suas vozes reforçam que dignidade e inclusão caminham juntas e que cada gesto de empatia tem o poder de transformar vidas.
Por: Imprensa TJMSP